Direito a Terra: Quilombolas da região de Bom Jesus da Lapa vão para Brasília; e mais uma vez o STF suspende votação

0
GrupoSCosta-350x250px

A ascensão de Michel Temer ao Planalto em 2016 trouxe uma onda de confiança aos setores conservadores do Congresso. O clima é tão favorável que diversos políticos perderam qualquer pudor em suas declarações. Em poucos meses, os direitos de quilombolas e indígenas foram alvejados discursivamente por diversas figuras políticas que gravitam em torno de Michel Temer.

O ministro da Justiça, Osmar Serraglio, afirmou que “terra não enche a barriga”. Indicado ao cargo pelo PSC, o presidente da Funai, Antônio Costa, disse ser necessário “ensinar os índios a pescar” e inseri-los no “sistema produtivo nacional”. Processado posteriormente por crime de racismo pelo Ministério Público Federal, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) insinuou que populações quilombolas não trabalham e que gasta-se “1 bilhão de reais” com eles.

BahiaFArmShow-350x250px

Os comentários são, segundo entidades ligadas aos direitos dessas populações, sintomáticos da disputa pela demarcação de terras dos dois grupos minorizados e dos interesses dos ruralistas em colocar esse direito em xeque.

“A terra é essencial para fazer as demais políticas para essas populações avançarem. E esse direito básico, garantido pela Constituição de 1988, está sob ataque”, diagnostica Otávio Penteado, da Comissão Pró-Índio de São Paulo.

Em defesa do direito à terra, lideranças quilombolas da região de Bom Jesus da Lapa e de várias partes do país juntamente com diversos povos indígenas foram para Brasília, acompanhar em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, onde a Corte iria julgar nesta quarta-feira(18) ações ligadas à demarcação de terras. No entanto a votação não aconteceu, as representações foram informadas que o ministro Teori Zavaski, que está com o voto para este momento, teve deslocamento de retina, adiando assim a continuidade na votação da constitucionalidade do Decreto 4887/03. Por coincidência, é a segunda vez que um dos Ministro alega motivos de saúde, e adia a votação.

No dia 16 de agosto as representações quilombolas e indígenas acamparam em frente o STF em Brasília, data que estava marcada a votação, no entanto Dias Tofolli, que iria começar a votação pediu vista pois estava doente.

As representações voltam para suas comunidades, mais uma vez decepcionadas com a forma que o STF está tratando esse tema, que ameaça o futuro dos 16 milhões de quilombolas do país. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), proposta pelo Partido Democratas (DEM),  questionando o Decreto 4887/03.

A Constituição de 1988, muito por conta de pressões do movimento negro, reconhece a dívida histórica do Estado brasileiro com as populações indígenas e quilombolas. O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) afirma: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

Só 165 comunidades possuem, no entanto, títulos emitidos. Outras 1.525 ainda aguardam a titulação. Há comunidades quilombolas em 24 estados, a maior parte no Maranhão, Bahia, Pará, Minas Gerais e Pernambuco. Os únicos sem ocorrências destas comunidades são o Acre e Roraima, além do Distrito Federal.

Apesar da garantia constitucional, a reparação caminha, há muito, a passos lentos. Em 2016, houve apenas uma titulação.

Os avanços obtidos pelo Brasil nos últimos anos, como a saída do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas, não atingiram com a mesma intensidade as populações quilombolas e indígenas. Relatório divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento Social em 2013 revela que 55,6% dos adultos residentes em comunidades quilombolas vivem com fome ou sob risco de inanição.

A mesma realidade se reproduz na população infantil, com 41,1% das crianças na mesma condição. Foi constatada também grande vulnerabilidade social em índices como o acesso à água encanada, presente em menos da metade de domicílios, saúde e educação. Estima-se que há ao menos 214 mil famílias quilombolas no Brasil.