Expedição de bicicleta revela desafios e resistências ao longo do Rio São Francisco

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Durante a expedição, os pesquisadores Mateus e Maria Paula ouviram moradores sobre suas relações com o rio, as mudanças percebidas na paisagem e as iniciativas locais para enfrentar os desafios relacionados à degradação ambiental – Foto: Leonardo Ferreira Murta

Durante seis meses e meio, os pesquisadores Mateus Barbosa Verdú, doutorando da Faculdade de Educação da USP, e Maria Paula Pires de Oliveira, pós-doutoranda da PUC-Campinas, realizaram uma expedição única: percorreram de bicicleta todo o trajeto do Rio São Francisco, desde sua nascente em Minas Gerais até a foz, entre os estados de Alagoas e Sergipe. A jornada passou por áreas rurais, aldeias indígenas, comunidades quilombolas e grandes cidades, com o objetivo de registrar como as pessoas vivem e resistem às transformações que o rio vem sofrendo.

Nascente histórica do Rio São Francisco – Foto: Maria Paula P. Oliveira e Mateus B. Verdú

Ao longo do caminho, os pesquisadores entrevistaram moradores e coletaram histórias sobre as mudanças ambientais, culturais e sociais percebidas nas últimas décadas. Entre os municípios visitados, destaca-se a cidade de Bom Jesus da Lapa (BA), importante polo religioso e cultural, que também enfrenta os impactos da degradação do rio.

Entre os principais problemas observados estão o desmatamento das margens, a expansão do agronegócio com uso intensivo de água e agrotóxicos, o assoreamento do leito do rio, o despejo de esgoto sem tratamento e a presença de grandes e pequenas barragens ao longo de seu curso. Essas intervenções têm diminuído drasticamente a vazão do São Francisco, afetando a biodiversidade aquática, a qualidade da água e até mesmo práticas religiosas e espirituais ligadas ao rio.

Um exemplo simbólico desse desequilíbrio é o relato dos moradores da foz do rio, que denunciam o avanço do mar sobre o leito do São Francisco. Onde antes a água doce avançava sobre o oceano, hoje a maré salobra invade a foz, alterando o ecossistema e colocando em risco a subsistência de pescadores e comunidades locais. O povoado de Cabeço, em Brejo Grande (SE), desapareceu após sucessivas inundações provocadas por mudanças no fluxo das águas — consequência direta da presença de grandes hidrelétricas.

Lagoa marginal da Lavagem e Rio São Francisco (Manga/MG e Matias Cardoso/MG) – Foto de drone por Marcos Aurélio (MG Matias)

Apesar do cenário preocupante, a expedição também revelou exemplos de esperança e mobilização. Os pesquisadores encontraram comunidades engajadas na recuperação de nascentes, na proteção das lagoas marginais (que servem como berçários naturais de peixes) e no recaatingamento, esforço de reflorestamento com espécies nativas da Caatinga. Iniciativas como o Movimento Carta de Morrinhos, sediado em Matias Cardoso (MG), unem pescadores, técnicos, quilombolas e ambientalistas para monitorar a saúde do rio e propor soluções sustentáveis.

A escolha pela bicicleta não foi apenas simbólica: ela permitiu maior interação com os moradores, flexibilidade nos deslocamentos e um contato mais direto com os diferentes biomas brasileiros — Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica — que compõem o caminho do Velho Chico.

Todo o material registrado — entrevistas, depoimentos, imagens e cadernos de campo — será agora analisado nas pesquisas acadêmicas de Mateus e Maria Paula. O resultado será transformado em uma produção audiovisual, com o objetivo de divulgar os múltiplos olhares e saberes das populações ribeirinhas, contribuindo para o debate sobre o presente e o futuro do Rio São Francisco.

Mais do que uma pesquisa científica, a expedição foi um mergulho na realidade de quem vive às margens de um dos rios mais importantes do Brasil — um rio que, apesar dos impactos sofridos, ainda pulsa resistência e vida.

Leia a reportagem completa no Jornal da USP