Ataques e animais mortos: Correntina  vive terror por disputa de terra

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Animal morto na área da comunidade do Cupim, em Correntina (BA) Imagem: Associação de Fundo e Fecho de Pasto/Divulgação

Um incêndio e um ataque armado foram o sinal para a esposa do pecuarista João, 49, sair da comunidade do Cupim, em Correntina, no oeste baiano, e deixar o pequeno pecuarista sozinho na região.

“Nossa situação piorou nesses últimos meses. Eles já tinham incendiado o rancho e cortado a cerca do nosso terreno. Mas há dois meses recebi uma abordagem de cinco homens armados, que chegaram a dar tiros para me intimidar”, afirma esposa João.

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O rancho todo destruído é a sede coletiva do campo, em que os moradores da comunidade guardam selas e cozinham quando estão trabalhando na área.

Moradores relatam que animais têm sido mortos e pastagens têm sido destruídas de forma intencional por pessoas que querem a saída forçada da comunidade, para expansão do uso da terra para grandes plantações.

Na comunidade do Cupim, as famílias pecuaristas ocupam o pasto com animais por oito meses —os outros quatro meses são para recuperação do ambiente natural.

Segundo João, os dois filhos e o neto foram com sua esposa para a cidade, após o ataque. “Não sei quando, mas eles vão voltar assim que isso passar”, afirma.

situação é tensa em pelo menos 20 comunidades nos municípios de Correntina e Santa Maria da Vitória, segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra), ligada à CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil).

No final de setembro, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado (que reúne 56 organizações) encaminhou um requerimento pedindo “providências urgentes” ao governador Rui Costa (PT-BA) e a outras autoridades, para que não ocorra uma tragédia na região.

“Estamos há três meses com ataques consecutivos. Existe um alto nível de articulação dos fazendeiros em um processo hegemônico. Eles acreditam na impunidade, que vai se concretizando com a omissão do Estado”, relata Samuel Britto Chagas, da CPT que atua no oeste baiano.

A Secretaria da Segurança Pública da Bahia diz que já adotou providências sobre as denúncias relacionadas aos conflitos ocorridos nas comunidades de Capão do Modesto, Cupim, Vereda da Felicidade, Bois Arriba e Abaixo e Porcos, Guará e Pombas.

“A SSP garante que todas as iniciativas necessárias para elucidar os casos foram adotadas, estão em curso, mas não podem ser divulgadas para resguardar as investigações.”

A área em conflito é um conjunto de terras públicas no cerrado baiano. Títulos de posse não foram dados a comunidades tradicionais que vivem lá há mais de século.

“Comecei a frequentar com 6 anos de idade. É uma situação triste porque são mais de 100 anos da minha família aqui. Só me dá vontade de chorar”, afirma Pecuarista João.

As entidades alegam que, por isso, há forte grilagem de terras e solicitaram investigação para ver quais são as matrículas fundiárias fraudulentas.

A coluna conversou com moradores de outras comunidades ameaçadas —assim como João, ninguém quis revelar nome por medo de represália.

Os moradores relatam que há pistoleiros que circundam a região no intuito de intimidar e expulsar moradores da área.

“Esses conflitos existem desde os anos 1970 e vêm se acirrando cada dia mais, com a grande quantidade de outorgas de uso de água e supressão de vegetação que o Estado dá”, diz uma moradora da área em conflito”.

Samuel Chagas explica que há na região pedidos para uso de terras para agricultura irrigada por grandes empresários e fazendeiros. A ideia, diz, seria plantar especialmente soja. E esse poder econômico e violento afugenta moradores históricos da região.

“Imagina o que é uma comunidade ficar de setembro a dezembro sob ataques? Muita gente arrefece, passa a não mais frequentar a área. Indiretamente eles são expulsos, porque eles não vão mais voltar”, lamenta Samuel Britto Chagas, da CPT-BA.

Incêndio em outubro em área de Cerrado em Correntina (BA) Imagem: Thomas Bauer CPT/H3000/Divulgação

Além disso, ele afirma que pelo menos 1,3 mil hectares já foram desmatados nesse processo de expansão. Para ele, o uso da terra e da água pode causar problemas graves às comunidades tradicionais. “Essa é uma região de água com rios perenes.

“Com o processo de desmatamento, a tendência é água minguar e a vereda vir a secar.”

Após a publicação da reportagem, uma nota enviada à coluna diz que “os produtores rurais negam qualquer envolvimento com casos de violência e uso de segurança armada na região, além de rechaçarem atos dessa natureza contra as comunidades citadas.”

“A área mencionada no texto é alvo de uma ação de manutenção de posse e tem títulos de propriedade emitidos no nome dos produtores rurais. Até que o Estado diga o contrário, em ação própria, ela fica assim assegurada”, diz o texto.

*Nome fictício usado a pedido do pecuarista.

Reportagem de Carlos Medeiros/UOL